Obrigado pelas memórias, New York

Outro dia, um de meus companheiros chegou até mim na clubhouse e disse: "Hey, você viu o que eles vão fazer para você em New York?"
Eu não sei o que ele está falando.
Eu fiquei tipo: "O quê? Eles vão me dar pizza ou algo do tipo?"
Ele disse: "Nah. Seu último jogo, os fãs vão tirar as calças."
Eu fiquei tipo: "Nah, bro. Qual é. Fala sério."
Aí ele me mostrou um artigo em seu telefone sobre algum cara que está tentando fazer com que todo o Yankee Stadium mostre a bunda para mim.
O cara até fez um website: moonbigpapi.com.
Bro.
Bro.
Qual é.
Deixe eu te falar algo. Se 50.000 pessoas mostrarem a bunda para mim, eu lhe prometo duas coisas:
Primeiro, eu vou rir tanto que talvez comece a chorar.

Aí quando as lágrimas secarem, eu vou para o bastão tentar rebater a bola até o trem. Vocês precisam ser cuidadoso. Vocês não têm mais o Mariano, sabe do que estou falando?
Olha, torcedores dos Yankees. Eu tenho que admitir algo a vocês. E eu estou sendo sério sobre isso. Eu tenho um amor por vocês.
É só um pouco de amor, mas eu tenho.
Quando eu vim para este país e eu estava tentando chegar às grandes ligas, eu olhava para caras como Derek Jeter e Mariano River, e eu estava quase com medo. Quando eu tinha que jogar contra os Yankees nos meus primeiros anos, eu ia assistir algumas das coisas que Jeter faria no campo como se eu fosse apenas um fã.
 Eu aprendi bastante assistindo DJ. Eu nunca falei para ele quando ele estava jogando, mas depois o fiz. A maneira com que ele fazia as coisas, e o respeito que ele tinha por seu jogo, isso fez com que eu quisesse ser um jogador melhor.
Sério, eu mal esperava para rebater duplas contra os Yankees, assim eu poderia ir para a segunda base e dizer "e aí" para o DJ.
Ele nunca falou muito. Se eu não estava rebatendo bem, ele talvez dissesse algo como: "Como você está? Não vejo você há um tempo."
Nossa rivalidade com os Yankees fez de mim quem eu sou. A intensidade dessa competição é o que eu vou sentir mais falta quando estiver acabado. Eu poderia acordar pela manhã e meu corpo estar sentindo como merda, mas asso, que o ônibus chegava no Yankee Stadium e eu vejo aquela cerca branca na cobertura, eu fico tipo: Vai rolar.
Eu, Manny e Pedro costumávamos sentar no dugout assistindo aos pitchers dos Yankees aquecendo e dizíamos uns para os outros: "Certo, como vamos deixar esses filhos das putas para baixo hoje?"
Toda vez que eu ou o Manny aparecíamos no bastão, era uma batalha psicológica. Com caras como Pettitte e Mussina, nós vivíamos de seus erros. É isso que estávamos caçando. Se esses caras errassem ou deixassem algo acima do plate e nós não os fizéssemos pagar por isso, seria como se alguém tivesse roubado seu filho.
Se Mussina deixasse uma bola de efeito pendurada e eu não o punisse, eu pensaria nisso por dias.
Quando essas séries acabavam, você ficaria exausto - mentalmente, fisicamente, emocionalmente, tudo.

Jogando contra os Yankees era apenas diferente. Era uma guerra.
Você precisa entender o que isso significava para mim, Pedro e Manny - três caras da República Dominicana. No nosso país, os Yankees são gigantes. Antigamente, eles eram basicamente o único time na TV. Quando você andava por  Santo Domingo nos anos 90, você iria ver muitos bonés dos Yankees. 
Nada dos Red Sox. Nada dos Cardinals.
Yankees, Yankees, Yankees.
Eu tive amigos e família que me amam, mas até hoje eles ainda são fanáticos pelos Yankees.
Agora, isso é um pouco diferente. Mas antigamente, todo mundo em meu país sonhava em ir para New York. Nem como um jogador de beisebol, eu estou falando apenas da oportunidade de ter um emprego normal. Nós olhávamos para New York City como o sonho americano. Os Yankees eram um símbolo de tudo. Se você usasse um boné dos Yankees, talvez seu primo ou tio lhe enviou isso de New York, e isso era como se aquele boné simbolizasse tudo que você sonhava ser.
No meu país, tudo era um esforço para tentar chegar a um lugar melhor na vida.
Minha mãe fazia tudo em casa, e ela ainda tinha uns bicos para nos conseguir um dinheiro extra. Naquele tempo, você poderia comprar roupas baratas de verdade em Curaçao, então ela costumava viajar para fazer compras na ilha. Ela lotaria duas malas de roupas e traria de volta para Santo Domingo para vendê-los para os trabalhadores dos hotéis resorts.
Era uma maneira de ganhar um dinheiro extra. Ela faria tudo que precisasse para ter certeza que estivéssemos bem.
Quando eu jogava na Double-A em 1997, eu consegui para ela um visto para que ela viesse aos EUA pela primeira vez. Eramos só nós dois esfriando em Connecticut por uns dias. Ela foi visitar New York City antes de voltar para casa, e ela estava tão feliz. O sonho dela, a vida toda, era de dar aos filhos uma oportunidade. New York City, para nós, era como se fosse a capital do mundo.
Minha mãe morreu em um acidente de carro em 2002, antes de eu ir para os Red Sox e começar a ter sucesso nas grandes ligas. Minha vida se tornou ótima, mas a única coisa que eu queria era que ela pudesse estar aqui para tudo isso. Quando eu for para o campo no Yankee Stadium pela última vez, ela não estará aqui para ver isso. Isso é meio duro, para ser honesto com vocês. Mas eu sei que ela estaria muito orgulhosa de chegarmos ao topo do mundo.
Eu sei que umas pessoas que cresceram aqui a vida toda, já tem isso garantido porque eles estão acostumados com isso, mas para minha família, a América ainda é como um sonho. Eu não esquecerei nunca o quão sortudo eu sou por ter tido essa oportunidade.
É por isso que toda vez que eu vou jogar no Yankee Stadium, é outro nível.
Quando estou para on-deck e ouço todas aquelas vaias, eu tenho uma sensação que nem consigo descrever. Eu estou tão focado. Minha adrenalina vai até o teto. Eu estou totalmente trancado. A intensidade não é exatamente a mesma contra outro time.
Alguns jogadores nasceram para ser Yankees, sabe do que estou falando?
Eu nasci para jogar contra os Yankees.
Boston não é só meu time. Boston é minha cidade. Eu me considero um Bostoniano e essa é a coisa que tenho mais orgulho no mundo.
Os Red Sox me deixam ser eu mesmo. Vocês vêem minha barba? Os Yankees não me deixariam tê-la. Eu estaria depilando-a duas vezes por dia. Mas vai além disso. Os Red Sox me deixam dizer o que eu sinto. Eles me deixam ser eu mesmo. Se eu fosse um Yankee, eu seria como meu chapa, DJ.
Você sabe, "um jogo por vez".
😉
Mas esse é o motivo de que eu vou sentir tanta falta dessa rivalidade. Porque nós eramos completamente o oposto.Tudo que tínhamos em Boston, New York tinha uma resposta para isso.
Manny era o melhor power hitter que eu já vi, mas Mariano tinha o melhor único arremesso que já enfrentei. Tentar rebater forte contra o cutter do Rivera era impossível. Ele quebrou tantos bastões que a Louisville Slugger devia estar pagando sua piscina. Contra o Mariano, tudo que você conseguiria era algo irrisório. Ele estava em outro nível.
Você olha em volta agora, e DJ se foi, Mariano se foi. Manny, Pedro, Moose, Pettitte, todos se foram. Eu sou o único velho que sobrou.
Aquela rivalidade era boa para o beisebol, eu vou sentir falta disso.
Eu lembro de quando voltei para a República Dominicana para a parada depois de vencermos a World Series em 2004. Meu amigo me disse: "Bro, você devia ter visto isso aqui na série com os Yankees. Era como se o país inteiro tivesse parado. Todo santo jogo, todo mundo estava reunido na frente d aTV. 
Depois de vencermos aquela World Series, tudo estava diferente. 
Agora, se você for para a República Dominicana, você sabe o que você verá nas ruas?
Você ainda verá bonés dos Yankees. Mas você verá um monte de bonés dos Red Sox também.
Quando eu era criança, eu costumava arrancar as cabeças das bonecas da minha irmã para usá-las como bolas de beisebol. Eu roubava um cabo de vassoura do armário da minha mãe e acertar as cabeças acima da cerca. Whoom, a Barbie ia voando pelo céu.
Eu costumava sonhar que estava rebatendo home runs no Yankee Stadium.
Hoje em dia, eu espero que as crianças que estejam fazendo a mesma merda, que estejam sonhando que estão no Fenway.
Torcida dos Yankees, eu tenho uma última coisa a lhe dizer. 
Obrigado. De verdade. Vocês tiraram o melhor de mim.
Quando vocês me vaiam, é um dos melhores sentimentos do mundo.
Não vou mentir para vocês. Às vezes eu levanto da cama pela manhã e é tipo: "Damn. O que aconteceu?". Eu fiquei velho. Eu levo um bom tempo para preparar meu corpo para jogos assim agora. Mas eu garanto isso a vocês: quando nosso ônibus chegar no Yankee Stadium hoje, eu estarei pronto. E quando eu ouvir vocês me vaiarem, eu vou tentar rebater a bola acima daquela cerca branca, a caminho daquele trem filho da puta.
Respect.
David Ortiz

Tradução e imagens de texto publicado por David Ortiz na Players Tribune.
Texto original: http://www.theplayerstribune.com/david-ortiz-thanks-for-the-memories-new-york/
Referências: 
Trem: Há um trem do lado de fora do Yankee Stadium, onde os Yankees fazem passeios com os torcedores.
Louisville Slugger: Empresa responsável pela fabricação de tacos de beisebol.
Compartilhar Google Plus

Autor Boston Sports Br

O Boston Sports Brasil é um blog brasileiro com notícias e análises dedicado aos times de Boston: Bruins, Celtics, Patriots, Red Sox e Revolution. Siga-nos no Twitter: @bostonsportsbr

Postagens Relacionadas

0 comentários :

Postar um comentário

Postagem mais recente Postagem mais antiga Página inicial